quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Um passo para a lei

Por Tatiana de Mello Dias
Ela fez muito barulho nos últimos dois anos, mas passou quase despercebida em 2010. A Lei sobre Crimes de Informática (PL 84/99), também conhecida como Lei Azeredo ou “AI-5 Digital”, esteve tramitando na Câmara – e acaba de receber o segundo parecer favorável dos deputados. Ela já passou pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e acaba de ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Falta pouco para ir ao plenário – e, de lá, ser aprovada pelo presidente.
“Há uma pressão muito forte da sociedade para que seja aprovada”, justifica o deputado Régis de Oliveira (PSC-SP), relator na última comissão que aprovou a lei. “Ontem (quarta-feira) mesmo eu assisti a uma reportagem sobre crimes pesados como pedofilia, invasão de bancos por hackers, que estão sem previsão legal”. O deputado explica que o projeto já estava pronto há alguns meses esperando uma negociação com o Ministério da Justiça e outros deputados. “Eu falei ‘não vou mais segurar isso’. Pode ter algum problema? Vamos ter que resolver. Já há a convenção de Budapeste por trás. É só fazermos o texto. Aprova o que tem que aprovar e depois a gente vai consertando.”
O texto apresentado pela CCJ apresenta algumas modificações ao projeto original enviado à Câmara em 2008 pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). As mudanças foram baseadas na Convenção de Budapeste, legislação internacional sobre crimes eletrônicos firmada em 2001, da qual o Brasil não é signatário. O texto do tratado tipifica, entre outros, o crime de violação de direitos autorais e propõe o armazenamento de dados de navegação em tempo real. “O Brasil tem de se adaptar ao texto”, diz Oliveira, que consultou delegados e especialistas em direito digital para a modificação.
“O texto melhorou porque responsabilizou o provedor de conteúdo. Na convenção de Budapeste há este ponto”, explica Alexandre Atheniense, advogado especializado direito digital.
Briga. Os pontos polêmicos que levaram a lei a ser batizada de “AI-5 digital” continuam. O texto original atribuía aos provedores de acesso a responsabilidade de armazenar e fornecer informações de navegação para a apuração de crimes. Agora, os provedores de conteúdo, isto é serviços de e-mail e publicadores de blogs, além do Google, por exemplo, também passarão a ter essa responsabilidade.
“Os provedores têm a obrigação de guardar os dados, esse ponto está pacificado pela jurisprudência”, explica o advogado Renato Opice Blum, que foi um dos consultados por Régis de Oliveira. “É só o IP, mostra o local de origem, e não o conteúdo. É como o número de telefone, e não a conversa”, explica.
Oliveira diz que é a favor do armazenamento de todos os dados. “Só assim vamos combater a pirataria, os hackers, esse pessoal todo que usa computador para fins inadequados.”
Além disso, outra mudança é que os dados poderão ser divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a necessidade de uma ordem judicial. O texto do projeto compara isso a uma ocorrência na rua: “Quando um ônibus atropela alguém e a placa é anotada, a autoridade policial não necessita solicitar ao juiz que determine a remessa do dado (de quem dirigia etc.)”.
Atheniense teme que, com essa redação, o “provedor seja compelido a passar mais informação do que o objeto de investigação”. “Você está indo contra a Constituição que prevê a quebra de sigilo de dados só por ordem judicial. Poderia haver vulnerabilidade em relação à invasão de privacidade”, critica.
“Essa é uma mudança grave para pior”, critica Paulo Rená, que foi um dos responsáveis pelo Marco Civil da Internet quando trabalhou no Ministério da Justiça e autor de um mestrado sobre o acesso à internet como direito no Brasil. “O projeto segue a linha da criminalização do uso da internet. A tecnologia é tratada como se fosse uma fonte de riscos para a sociedade”, diz ele. “Basta um pedido para que os prestadores de serviço fiquem com a atribuição de vigiar seus clientes.”
Opice Blum diz que “nenhuma lei vai ser perfeita”. “É para isso que serve o judiciário. Mas podemos caminhar para evoluir”, explica. O deputado Regis de Oliveira sabe que a briga é forte e diz que está disposto a alterar o projeto de lei “se houver pressão”. “Meu texto não é fechado. Não sou especialista”, diz.
O Ministério da Justiça diz que está analisando o novo texto do PL 84/99 e, por enquanto, não se manifestará sobre o tema. Mas o órgão, por meio de sua assessoria, diz que “está aberto ao diálogo com congressistas e com a sociedade para a construção de um consenso em torno da regulação da internet”.
Embora reconheça que o texto apresentado por Oliveira tenha algumas melhorias pontuais, Paulo Rená critica o fato de o legislador não ter citado o Marco Civil da Internet, legislação criada pelo Ministério da Justiça e discutida ao longo deste ano que garantiria direitos dos internautas – como privacidade, liberdade e neutralidade.
O Marco apoiaria alguns temas propostos no PL 84/99, como a guarda de registros de navegação. Mas Atheniense, por exemplo, diz que ainda é cedo para fazer um paralelo entre as duas propostas de regulamentação. “Estamos falando de uma lei que está tramitando há 11 anos no Congresso. O Marco Civil é bem intencionado, mas não nasceu ainda. Quando for ao Congresso, passará por uma série de comissões, ainda vai haver muito debate. É preciso se basear no que está mais próximo de se tornar lei.”
E, sim, está próximo. O projeto agora tramita na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e espera o parecer do deputado e relator Júlio Semehini (PSDB-RJ). “A minha parte eu cumpri”, diz Oliveira. “Eu não fui reeleito, e não iria segurar isso. E soltei agora até para acelerar o processo”. Ele acredita que a aprovação pode sair ainda neste ano.

Fonte: Estadão Link

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