segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Os dois anos da morte de Manoel Mattos

Hoje é dia de lembrar Manoel Mattos, morto no dia 24 de janeiro de 2009, no município de Caaporã, no estado da Paraíba, próximo à divisa com Pernambuco. O advogado e defensor de direitos humanos nasceu e cresceu próximo dali, em Itambé (PE), em uma região onde grupos de extermínio agem livremente, articulados por políticos, policiais e comerciantes locais. Dedicou grande parte da sua vida à luta contra o poder destes grupos, sempre alertando autoridades e companheiros sobre os riscos que corria e sobre a necessidade de ter a proteção garantida pelo Estado.
 
Para quem viveu e militou ao lado de Manoel Mattos, hoje é um dia triste, mas é também um dia de celebração e movimento. Manoel Mattos foi assassinado, mas sua voz continua viva, ecoada naqueles que herdaram a batalha contra os grupos de extermínio que atuam entre Pernambuco e Paraíba.
 
A coragem de sua mãe é a maior prova disso. Dona Nair Ávila abraçou os ideais do filho e se mostrou incansável. Foi à imprensa, denunciou o poder dos grupos de extermínio e o descaso de autoridades, esteve em Brasília diversas vezes, foi recebida pelo ex-presidente e por ex-ministros. Dona Nair não se intimidou nem mesmo quando se tornou alvo das ameaças de morte que um dia foram endereçadas a seu filho.
 
Em outubro do ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a investigação e as ações judiciais do assassinato de Manoel Mattos deveriam ser realizadas por órgãos federais – Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal. A federalização de crimes que envolvem graves violações de direitos humanos é vista por alguns analistas como um instrumento capaz de garantir a desarticulação de redes criminosas em algumas regiões do país – e a expectativa dos familiares de Manoel Mattos e das organizações envolvidas nesse debate é justamente essa.  
 
Resta, no entanto, muitas dúvidas e desafios sobre a instauração do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), o mecanismo constitucional que garante a federalização e que até outubro jamais havia sido utilizado. Como será colocado em prática? De que forma se dará a transição para a esfera federal? A Polícia Federal já iniciou as investigações?
 
Até agora, se sabe muito pouco. “Eu já nem sei mais onde está o processo. Ninguém tem informação, eu fico perdida”, diz dona Nair, demonstrando preocupação. “Eu tenho mais confiança na investigação da Polícia Federal, mas fico apreensiva porque não sei como as coisas estão sendo feitas”.
 
Para Eduardo Fernandes, assessor jurídico da Dignitatis – organização que, em parceria com a Justiça Global, encaminhou o pedido de federalização à PGR –, o momento é de intensificar as investigações em torno do contexto em que o crime foi cometido, como forma de se chegar aos mandantes do assassinato. “Os órgãos designados para essa missão devem dialogar com instituições, mandatos parlamentares e organizações da sociedade civil que acompanham o caso há anos”, afirma. “Somente desta forma as engrenagens dos grupos de extermínio podem ser finalmente desmontadas”, completa, acrescentando que “sem cooperação, a região da divisa entre Pernambuco e Paraíba continuará sendo chamada de ‘Fronteira do Medo’”.
 
A proteção de dona Nair e de outras pessoas ameaçadas por grupos de extermínio – como a promotora Rosemary Souto Maior de Almeida e os deputados Fernando Ferro (PE) e Luiz Couto (PB) – também é uma preocupação das organizações que acompanham o caso. “A morte de Manoel Mattos só ocorreu porque o Brasil descumpriu a decisão da OEA que determinava sua proteção. É fundamental que os erros do passado não se repitam”, disse Andressa Caldas, diretora executiva da Justiça Global. “Já se passaram seis meses desde que a OEA determinou a proteção de Dona Nair e de outros familiares de Manoel Mattos, mas ainda estamos lutando para que o Estado brasileiro faça a sua parte”, explicou.
 
Ontem, no Recife, uma missa foi realizada em memória de Manoel Mattos, com a presença de sua mãe e de outros familiares. Hoje, outra missa será realizada em Itambé. Sem conseguir escolta policial que lhe garantisse a proteção, Dona Nair Ávila não poderá comparecer.

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